Rock doido: O que é o movimento de tecnobrega paraense que conquistou resto do país em 2025
O rock doido bombou em 2025. Se até então o movimento tinha destaque apenas no Pará, neste ano, chamou atenção do resto do Brasil quando Gaby Amarantos lançou um álbum com esse nome.
“Te prepara, o que tu vai escutar agora não é apenas som. São frequências sonoras capazes de reorganizar teu sistema molecular. Esqueça tudo. Que o rock doido começou”, anuncia um vozeirão grave no comecinho de “Rock Doido é Meu Lugar”, faixa que abre o disco.
O alerta é mais do que mera referência à energia festeira do álbum de Gaby. É também uma breve (e sedutora) descrição do próprio rock doido, movimento surgido em meio ao fervor das festas de aparelhagem paraenses — e já adiantando: esses são rolês de tecnobrega, não de rock n’ roll.
Ainda assim, o tecnobrega e o rock n’ roll compartilham a mesma energia musical: ambos têm canções aceleradonas, dancinhas frenéticas e apresentações bem espalhafatosas.
Usada em mais de um contexto, a expressão “rock doido” pode significar o auge de uma festa de aparelhagem, um rolê específico, ou um tipo de música — tudo isso com sabor de gandaia paraense.
Pokemón no paredão
“Não tem explicação. O rock doido é um sentimento, tem que vivenciar para entender”, afirma Gaby Amarantos, em entrevista ao podcast g1 Ouviu.
“Na festa de aparelhagem, acontecem várias fases. É tipo um grande Pokemón, que vai evoluindo. E o rock doido é o momento em que a loucura começa. Vai queima de fogos, o DJ solta lazer, alguém desce da nave espacial, a boca do crocodilo abre, uma Bazuca solta chama, as pessoas sobem em uma mesa, pegam balde de cerveja, que começa a voar… Você fala: ‘que porra é essa?’. Isso é o rock doido.”
Com 22 faixas, o álbum de Gaby vem popularizando o termo pelo país. No Pará, porém, a expressão já é famosa há pelo menos dez anos. É o explica diz Zek Picoteiro, DJ e pesquisador da música amazonense.
“Rock doido começou como uma gíria”, afirma Zek ao g1. “As pessoas usam ‘rock doido’, ou só ‘rock’, para se referir a uma festa. Tipo ‘hoje vai ser rock’, ou seja, o negócio vai ser foda, pirotecnia, master.”
O próprio álbum “Rock Doido” tem letras sobre isso. Por exemplo, em “Short beira cu”, Gaby canta: “Eu vou sair para dançar, eu vou curtir e vou beber. Botar meu short beira cu, um top, cropped. I love you. Tá decidido, hoje tem rock”.
O disco, que emplacou nas redes o hit “Foguinho”, foi lançado no fim de agosto junto de um curta-metragem gravado em plano sequência. Com 21 minutos, o filme simula um típico rolê de rock doido: há enormes paredões de som, luzes neon, fumaça, looks extravagantes, gente dançando e muita pegação.
“É tudo muito iluminado, colorido, som alto. É uma festa de dinâmica própria”, diz Zek. “A festa de aparelhagem surge por causa do paredão de som, esse monte de aparelho eletrônico empilhado um em cima do outro. Antes, o DJ era chamado de ‘controlista’, ficava de costas para o público e de frente para o paredão. O foco da festa era o som. Hoje em dia, isso deu uma invertida: o foco está mais no visual. O DJ toca de frente para o público, e em cima de uma bancada gigante.”
Uma das mais famosas festas de aparelhagens, a Crocodilo Tudão transforma a mesa dos DJs em um enorme réptil — o bicho tem olhos alaranjados, pele reluzente e bocona que se mexe. Outro exemplo é a aparelhagem Fênix do Marajó, que faz de sua bancada uma enorme ave brilhante.
Mas nem toda aparelhagem de mega estrutura é de rock doido. Na festa Carabao, por exemplo, há um enorme búfalo hipnotizante — que dá até chifrada —, mas seu tecnobrega é mais voltado à moda antiga.
“A Carabao é para se ouvir músicas do passado, que marcaram outra época”, descreve Zek. Chamadas de “passadão” ou “baile da saudade”, essas aparelhagens têm hits mais lentos, dispensam pirotecnia e servem como point para casais dançarem coladinhos.
Treme, treme, treme
Surgido no Pará do fim dos anos 90, o tecnobrega é um gênero eletrônico com elementos do carimbó, lambada, calypso e até do pop americano — há várias faixas que abrasileiram hits de fora, como “Eu te Venero”, canção da Viviane Batidão inspirada em “Umbrella”, da Rihanna.
“Com toda a projeção das aparelhagens, foram surgindo variações do tecnobrega”, explica Zek. “Hoje, qualquer garoto no quarto faz alguma variação. Até mesmo pela popularização da pirataria e de programas de edição, som e produção.”
Mãe de vários subgêneros, a música tecnobrega está em constante movimento. O rock doido engloba seus estilos mais frenéticos, como o tecnofunk — que traz as batidas do funk brasileiro — e o tecnorave, que tem uma pegada de beats progressivos.
O rock doido ainda explora elementos de gêneros como rap e reggaeton.
Rock é rock
“Para o produtor paraense, não há limite. Ele faz remix de qualquer coisa”, diz a DJ Méury, uma das precursoras do rock doido.
Neste ano, a artista emplacou o hit “Copo de Veneno Vs. Hoje que a Santinha”, que viralizou em trends do TikTok. A música é um rock doido que sampleia o funk “Santinha” e o cântico de umbanda “Copo de Veneno”.
Méury afirma que, assim como Gaby Amarantos, a COP30 foi importante para a popularização do rock doido neste ano. Ocorrido em Belém, o evento foi uma oportunidade para os turistas (gringos e brasileiros) conhecerem as festas do tecnobrega eufórico.
“No começo [da trajetória do rock doido], eu e outros DJs fomos fazendo remixes com reggaeton e músicas nacionais, de artistas como Manu Batidão e Viviane Batidão e Anitta”, conta a artista.
Remix do remix
O crescente interesse pelo rock doido levou até à criação de um aplicativo (RockDoido), que reúne várias setlists e faixas do estilo. Isso porque a cultura do tecnobrega tem uma dinâmica bem diferente da indústria musical mainstream — muitos de seus hits ficam fora de plataformas como Spotify.
“Tem uma figura central do distribuidor de tecnobrega que é o pirateiro. Lá nos anos 2000, ele fazia as cópias piratas e coletâneas das aparelhagens. Era o divulgador”, explica Zek. “Hoje o pirateiro tem aplicativo e YouTube para subir playlists, mixagens…”
Zek reconhece a complexidade sobre o assunto. Diz que se irritaria ao ver alguém lucrando com sua música sem o creditar. Ele enfatiza, porém, que esse tipo de discussão não tem força na cultura das aparelhagens — e consequentemente, no rock doido.
“Esse lance de autoria é uma discussão muito moderna”, continua ele. “Que tipo de compositor tem acesso a esse tipo de proteção do ECAD [Escritório Central de Arrecadação e Distribuição]? Essa é uma discussão que não existe na cultura de aparelhagem. Ali é liberdade criativa mesmo! Faça o seu, eu faço o meu. Se tu me copiar, vou lá e te copio de novo!”
Ainda falando sobre a dinâmica mercadológica do rock doido, Zek diz: “A indústria musical empurra todo tipo de música para a gente consumir goela abaixo. Beleza, a gente vai ouvir essas músicas internacionais. Mas a gente ouve do nosso jeito. Coloca na nossa língua, no nosso sotaque e na nossa batida para a gente dançar do nosso jeito… A palavra ‘rock’ é muito simbólica né? A gente daqui absorve toda cultura do mundo e devolve do nosso jeito. Acho que isso também significa rock doido.”
Fonte Original: G1
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